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Era uma caixinha de música muito estranha...

Não havia uma bailarina rodopiando continuamente.

Mas tinha dois robozinhos incansáveis em busca da perfeição, talvez da felicidade.


Todo dia era a mesma coisa: acordar com o nascer do sol – a luz que vinha de fora aquecia suas engrenagens; lubrificar seus corpinhos – era preciso cuidar para não desgastar; limpar seu pequeno espaço com muito cuidado – o chão se sentia acariciado, as louças e talheres ficavam brilhando, o banheiro perfumado, os vincos das roupas de cama ajeitados... era uma delícia pertencer àquelas adoráveis criaturinhas, que com tanto esmero mantinham toda a estrutura funcionando.

Uma atividade muito importante era sair em busca do sustento. Precisavam se afastar da caixinha por algumas horas para manter sua rotina de forma agradável. Às vezes esse tempo era cansativo: encontravam outros robozinhos irritados, desorganizados, infelizes que se esforçavam por deixar a vida de outros companheiros também chata, assim como eles sentiam a sua existência. Um detalhe fazia toda a diferença: sabiam que tinham um ao outro. Assim, enfrentavam todas as adversidades com a certeza de que ao final do dia, tudo se converteria em amor. Era realmente uma vontade poderosa de alcançar o objetivo de seu criador. Muitas vezes falhavam, quebrava alguma peça, outros bonequinhos tentavam atrapalhar a rotina deles. Os dois nem prestavam assunto, a razão de tudo estava em sua união. O essencial era fechar o dia – mais um presente da eternidade – com o calor que ambos se transmitiam.

Era um mundo tão encantado. Dentro e fora da caixinha. Tanto que eles sentiam o maior prazer em repetir sempre e uma vez mais o mesmo ritual. E havia outras possibilidades. De vez em quando eles sonhavam, com a sensatez de que tudo seria bom se mantivessem o nós bem apertado. E a prudência de reconhecer quanta riqueza já tinham. Que generoso foi esse demiurgo que os imaginou para uma vida tão bela. Na verdade, eles sofreram um bocado até perceberem que não era muito complicado viver em paz. Com um pouco da inteligência que lhes foi dada, logo perceberam saídas criativas para certas situações. E com a leveza de quem sabe o quer, dançavam em harmonia para mais um dia feliz, ao som da música universal.